segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Paul & Linda McCartney - RAM


Ano de lançamento: 1971

Felipe disse:

“Imagine a situação: você é Paul McCartney, um dos dois compositores mais influentes e bem-sucedidos da história da música popular. Um dos maiores baixistas do rock n’ roll. Revolucionou a música, a moda e os costumes de seu século, tocando a vida inteira com os mesmos caras na maior banda de todos os tempos. Atingiu o ápice do topo do cúmulo do sucesso antes dos 30 anos. Mas agora a banda acabou. O que leva à pergunta: o que fazer depois dos Beatles? 

Com a dissolução da banda em 1970, Lennon fez o ótimo Plastic Ono Band e George lançou o elogiadíssimo All Things Must Pass. Paul estreara com McCartney, um álbum minimalista e caseiro, em que tocou todos os instrumentos e cuja proposta ninguém entendeu direito. Na época, Paul estava deprimido, isolado numa fazenda na Escócia, vivia sujo e chapado 24 horas por dia, brigado com os outros três Beatles, sem grana devido a problemas contratuais e completamente sem rumo na vida. O álbum foi muito criticado. 

Já para as sessões do álbum RAM, de 1971, Paul saiu de sua reclusão e contratou alguns músicos de estúdio, uma espécie de proto-Wings. Ram On é uma expressão para ‘meter as caras’, ‘ir fundo’, ‘seguir em frente’, o que ele havia decidido fazer ao sair de seu exílio. É também uma brincadeira com Ramon, pseudônimo que ele usava para se hospedar sem ser reconhecido e que acabou influenciando os Ramones. 

As canções que eles gravaram formam, pra mim, o melhor álbum da carreira de Paul: coeso, extremamente melódico e ao mesmo tempo pesado; com a poderosa voz de McCartney no auge; backing vocals e harmonias perfeitas de Linda; baladas calmas e confortantes seguidas de blueseiras sujas e berradas. 

E, o mais importante, o homem estava puto: solos estridentes de guitarra, mãos pesadas socando o piano e gritos guturais, produzidos por hippies que não se banhavam há tempos e viviam com roupas imundas no meio do mato. 

O álbum também traz mil indiretas para John e Yoko, disfarçadas em canções como Too Many People, 3 Legs, Smile Away e Dear Boy. Eles retribuiriam no álbum Imagine, que traria How Do You Sleep? e uma foto de Lennon segurando as orelhas de um porco, numa referência à capa de RAM, onde um Paul desgrenhado segura os chifres de um carneiro em sua fazenda. Na contracapa, Paul inseriu a foto de dois besouros copulando: um beetle fodendo o outro. 

Apesar de alcançar o topo das paradas inglesas e norte-americanas, RAM foi duramente criticado na época. A Rolling Stone, que havia chamado o primeiro solo de ‘rascunhos de canções feitas por gente drogada’, definiu RAM como ‘monumental irrelevância’. O disco é subestimado até hoje, apesar de muitos fãs novos o citarem como favorito. Trata-se de uma aula de rock’n’roll para qualquer banda moderninha. É principalmente uma aula de vocal: impossível ouvir a voz de Paul em Monkberry Moon Delight e Smile Away, ou as harmonias de Dear Boy, sem sentir calafrios na alma.

Em seguida, Paul daria início aos Wings, onde, tortuosamente, encontraria a resposta para a pergunta do primeiro parágrafo. Com a pseudodemocrática banda, ele gravou e excursionou durante uma década, levando junto sua imensa família e passando por todos os clichês do rock: várias formações, prisões por drogas, morte por overdose, músicas banidas, estádios lotados, milhões de discos vendidos. 

No entanto, RAM segue como o registro mais visceral daquele que é considerado o maior artista vivo no planeta Terra”. 

Nota: 9,5/10 


Rafael disse:

"O ano era 1970 e Paul McCartney não era nenhuma unanimidade após a separação dos Beatles. Ao passo que George e John já tinham reconhecimento pelos clássicos All Things Must Pass e Plastic Ono Band, Paul foi alvo de escárnio e frieza por parte da crítica especializada, que não entendeu o charme simples, cru e direto de seu primeiro disco.

Ram, seu disco posterior, não foi realizado no estúdio pessoal de McCartney e a produção é mais bem acabada, profissional, mas o clima do álbum não muda. Ele não é feito em casa, mas PARECE ter sido feito em casa.

À época, esta abordagem de Paul não contribuiu para ganhar respeito e credibilidade, exatamente porquê não era este som, esta música que a mídia, os críticos e até fãs esperavam de um ex-Beatle. Não era a época para "músicas bobas de amor", para o pop simples, puro e inocente, para músicas que não tivessem engajamento político ou que não fossem carregadas de "complexidade", dramaticidade, apoteose. Assim como os Beatles, o sonho tinha acabado, não é mesmo?!

A questão é que Paul não queria saber disto (não que ele não se importasse ou valorizasse estes aspectos), mas ele estava mais preocupado em cuidar da sua família, se divertir com eles e se divertir fazendo sua música. No livreto da edição Deluxe de Ram não há tantas fotos de estúdio, ao passo que são diversas as fotos de Paul e Linda e seus filhos. Nas músicas de Ram extrai-se prazer das coisas pequenas e simples da vida, seja pelo clima pastoril de Heart of The Country, seja pelo clima festivo do rock de Smile Away.

E se em McCartney, seu primeiro disco, muito das suas composições tinham o pé fincado no folk (até mesmo pelos recursos parcos do estúdio caseiro), em Ram Paul abre seu leque como artesão do pop, passeando por diversos estilos com maestria, como o blues bizarro de 3 Legs, a balada sinfônica de The Back Seat of My Car, o rock safado de Eat at Home, o rock com cabaré de Monkberry Moon Delight ou a suíte “progressiva” de Uncle Albert / Admiral Halsey, revivendo seu ápice de Abbey Road.

Ram é daqueles discos que não vão te fazer pensar, mas te fazer sentir. Sentir bem, com um sorriso no rosto e que sempre que for ouvir novamente, vai cantar junto ou vai se deparar assobiando suas melodias pegajosas. E este é o maior reconhecimento que a música pop de qualidade pode ter: apesar de sua simplicidade, ter ressonância e deixar uma marca indelével na vida das pessoas. Assim foi com os Beatles, assim ocorre em Ram".

Nota: 10/10



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