segunda-feira, 12 de outubro de 2015

The Dictators - Bloodbothers


Ano de lançamento: 1978


Felipe:
Quando os Dictators fizeram uma turnê na Inglaterra, tiveram uma experiência inesquecível para qualquer fã de rock. Estiveram no epicentro da bomba atômica musical que explodira no país em 1977; respirando o auge do movimento punk que ajudaram a conceber pouco tempo antes no CBGB e recebendo cusparadas de aprovação por parte de exigentes plateias sedentas por música raivosa.

Voltaram pros Estados Unidos e gravaram um disco “mais rápido e mais alto”, aproveitando a onda e até mesmo se apropriando de elementos do punk inglês, sem deixar de ser uma das bandas mais americanas que já jogaram no time do panteão do rock n’ roll, ainda que como reservas de um campeonato da terceira divisão.

Estamos falando de Bloodbrothers, de 1978, terceiro álbum da seminal banda de Nova York, considerada o elo perdido entre o protopunk e o punk rock propriamente dito. Se formos considerar o protopunk como a safra dos Stooges, MC5 e New York Dolls e punk como o que veio em seguida, com a galera do CBGB (e os fanzines e as roupas e as casas noturnas e as tretas e os axiomas como o “do it yourself”, o “i don’t care” e, logo depois, o “no future”, entre outras coisas), os Dictators são considerados a primeira banda punk a gravar um álbum - Go Girl Crazy, de 1975.

Corrija-me se eu estiver equivocado, mas o primeiro dos Ramones, colegas de palco e amigos próximos dos Dictators, só saiu em 1976. Antes disso, oficialmente em um registro gravado em estúdio e lançado por uma gravadora, o vocalista louco e gente fina Handsome Dick Manitoba já cantava sobre vomitar McDonalds, beber cerveja o dia inteiro e assistir filmes B. Já em seu primeiro disco, os Dictators traziam porradas punks, surf music e um cover açucarado de Sonny e Cher, mesmo tipo de senso de humor estranho que seria a cartilha que os Ramones seguiriam até o final da banda, nos anos 90.   

Já em Bloodbrothers, eles parecem tentar ser levados mais a sério como punks. Desde a capa, que retrata a banda como uma gangue esperando pra pegar alguém em uma rua escura; ao nome do álbum, que passa a ideia de unidade que os Ramones, por exemplo, conseguiam transmitir com sucesso. 

O disco abre com a melhor faixa – e uma das melhores faixas de qualquer banda punk e uma das melhores faixas de qualquer banda de rock n’ roll – Faster & Louder, cuja introdução gritada de "1-2-1-2-3-4", fica por conta de Bruce Springsteen, grande admirador do grupo até hoje.

Baby, Let's Twist é outro destaque, que não deixa as influências sessentistas se perderem na poça de vômito alcoólico. The Minnesota Strip é, se não um avô, pelo menos um tio do Metallica, com introdução heavy metal no estilo Cliff Burton, que de repente vira um hard rock safado falando de strippers (“Hey, hey, who’s your daddy little girl?”). 

Ainda destaco o power pop afetado e anfetaminado de Stay With Me e o rock estilo Chuck Berry do Bowery (Chuck Bowery?) Borneo Jimmy, ambas com ótimas guitarras e refrão grudento.

Abro somente uns parênteses para No Tomorrow, que soa forçada e uma tentativa de agradar o público pós-77, acostumados com a filosofia “no future” do punk inglês e I Stand Tall, uma baboseira patriota exaltando as maravilhas de ser norte-americano. Pelo menos eles tinham orgulho de quem eles eram.

Mesmo que soe como um disco ao vivo, Bloodbrothers é um álbum bem tocado e bem produzido, de um grupo de heróis não muito conhecidos pelo público geral. Quatro décadas depois, a maior importância dos Dictators pra muita gente ainda é ser a evolução do MC5 no genoma do rock n’ roll.  O que pra mim já tá bom pra caralho. 

Nota: 8,5 ou quase 9 / 10



Rafael:
Ter um blog como este é, ao mesmo tempo, uma massagem no ego de seus escritores e, também, um trabalho sincero de resgate do que humildemente acreditamos que valeria a pena que todos ouvissem e que ninguém se importa agora. Pode soar batido com o que já disse anteriormente, mas sempre há algo, de qualquer época, que valha a pena ser ouvido e que a história soterrou solene e injustamente.

É o caso deste Bloodbrothers, terceiro disco dos Dictators. Como é? Nunca ouviu falar do disco, muito menos da banda? Pois é, e assim caminha a humanidade. Num mundo "justo", estariam lado a lado com nomes constantemente celebrados da cena punk e do CBGB. Pode ser pela aparência "comum" dos integrantes, um misto de estivadores com integrantes de gangues de Little Italy, ou o senso de humor considerado de gosto duvidoso, ou até mesmo pode ser devido ao som simples, básico, cru e direto, uma anomalia numa cena em que bandas como Talking Heads, Television e Blondie faziam parte.

A questão é que, independente dos motivos, os Dictators ficaram relegados ao segundo plano da cena punk. Outro fato esquecido e digno de nota e que ninguém se lembra mais é que o marco inicial do movimento punk é o primeiro disco dos Dictators, Go Girl Crazy!, e como este álbum foi influente para os demais músicos na cena. 

No momento do lançamento de Bloodbrothers a cena punk já estava estabelecida e a banda decidiu reduzir o humor e sarcasmo presentes no disco de estreia e deixar mais clara sua pose de gangue pronta pra briga (que já se inicia na capa, na situação “pode vir que estamos preparados”). O período entre 1975 e 1978 foram cruciais também para trazer mais entrosamento e profissionalismo ao grupo. As canções em Bloodbrothers são mais bem produzidas, bem acabadas e diretas. Gravado ao vivo, reflete a sensação de se presenciar um show direto da “fila do gargarejo”.

Logo de início ouvimos ao fundo a contagem de Bruce Springsteen, fã declarado da banda, para a pedrada inicial de Faster & Louder, uma carta de intenções onde “se toca, dança, vive e é mais rápida e barulhenta”. Na sequência há a corruptela safada de Louie, Louie com um “bridge” que remete à Baba O’Riley do Who, em Baby Let´s Twist. Ouvimos ainda a marca clássica do niilismo e revolta punk em No Tomorrow, a ode ao prazer fácil e descartável da prostituição em Minesotta Strip e o ritmo segue frenético até culminar no ponto alto (e final) do álbum: a inspirada cover anti-drogas dos também subestimados Flamin' Groovies, a pesada e intensa Slow Death.

O álbum, no entanto, não teve sucesso algum e a banda se separou um ano depois. Reuniram novamente nos anos 2000, lançando bons discos que apenas completistas, fãs e amantes da boa música ouviram. E puderam presenciar neste meio tempo a triste ironia de que a grande maioria dessas bandecas de quinta categoria que se consideram punks fazem sucesso copiando descaradamente o que já se ouvia em Bloodbrothers. Se há algo que você possa fazer agora para reparar este erro histórico é tirar a bunda da cadeira e ouvir este disco. Já!

Nota: 9/10








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