segunda-feira, 17 de novembro de 2014

David Bowie - Hunky Dory


Ano de lançamento: 1971


Rafael:
"É um cliché do cliché tratar David Bowie como camaleão do Rock. No entanto é fato perceber que em sua obra, principalmente nos anos 70, há uma inquietude e um espírito de exploração e contestação de seu “Eu” tão forte que ele se redefiniu como artista constantemente, a ponto de alterar sua persona até mesmo em meio a turnês (vide o disco ao vivo David Live).

No começo dos anos 70, no entanto, Bowie não sabia ao certo o que queria. Apesar de Space Oddity ter feito sucesso (e ter tido um timing perfeito com a chegada do homem à lua), seu disco de trabalho era um amontoado de canções folk-rock “pós-hippie” que transitavam entre um deboche da década passada e a auto-indulgência de um desajustado àquele som e àquele pensamento e modo de vida. Percebendo que o Hard Rock parecia ser a nova “tendência sonora”, lançou o clássico subestimado e bizarro The Man Who Sold The World, que viera a ser relembrado posteriormente quando Kurt Cobain cantou a faixa título no Acústico Nirvana. O fato de ser um estilo de hard rock muito diferente e com letras que falavam do Superhomem de Nietzsche (Supermen), de loucos e estranhos (All The Madmen, After All) afungentou muitos fãs por sua bizarrice.

Em Hunky Dory as temáticas estranhas estão lá, mas o tema único do hard rock foi trocado pelo universo pop, sem distinção de valores. Ao invés de enveredar apenas por um estilo, ele opta por todos aqueles que o influenciavam. Hunky Dory é, na verdade, a carta de intenções de Bowie para a década que se iniciava. Acompanhado do que viriam a ser os Spiders from Mars (Mick Ronson nas guitarras, Trevor Bolder no baixo e Woody Woodmansen na bateria) mais a virtuosidade de Rick Wakeman no piano, Bowie nos apresenta nas onze canções pop do disco o que viria a ser a tônica de sua carreira a partir de então: grandiosidade condensadas em três, quatro minutos; tons ora épicos, ora glamurosos, ora decadentes; mudanças estilísticas radicais; erudição lado a lado com acessibilidade pop.

A sequência inicial do disco já anuncia este novo artista e suas intenções: como um cantor cínico de cabaret, em Changes ele fala da constante mudança necessária na vida de um artista; faz uma ode aos freaks, àqueles que andam à margem da sociedade (que viriam a se tornar popular daqui a um ano com a ascensão da cena Glam Rock) em Oh! You Pretty Things e Life on Mars; e acrescenta tons apocalípticos a isto tudo em Eight Line Poem. Em Kooks fala da vida mundana em forma de um folk vaudevilliano para imaginar como será a infância de seu filho recém nascido, Zowe Bowie.

Em Quicksand Bowie faz uma análise da história e da humanidade onde cita Greta Garbo, Nietzsche, Churchill, Himmler e Crowley em meio a um folk suave intercalado por partes intensas de orquestração e piano (e como Rick Wakeman agride o instrumento aqui!). Na sequência nos deparamos com homenagens declaradas (Andy Warhol, Song for Dylan) e outras nem tanto (a corruptela maravilhosa de Velvet Underground em Queen Bitch). Vale a menção que Andy Warhol não gostou muito do freak hard folk em sua homenagem e ficou um tanto quanto assustado com a homenagem prestada a ele. Para concluir, a perturbadora e melancólica Bewlay Brothers e suas harmonias vocais dissonantes assustadoras.

O álbum não fez muito sucesso à época de seu lançamento, mas foi fundamental para começar a pavimentar a carreira de Bowie como um artista que sempre se aventurou, para pior ou melhor, e não sacrificou suas aspirações artísticas, mesmo almejando êxito comercial. Todos se lembram de Ziggy Stardust, mas sua semente inicial estava em Hunky Dory e persiste até hoje."

Nota: 10/10



Felipe:
"O auge de David Bowie é a fase de seu alter ego ícone do glam rock, o extravagante e andrógino Ziggy Stardust, a partir do aclamado álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de 1972, passando por Alladin Sane e Pin Ups, de 1973, até Diamond Dogs de 1974. Foi nessa fase que ele ajudou a criar e popularizar o glam, estilo marcado pelos trajes e performances com muitos cílios postiços, purpurinas, saltos altos, maquiagens, batons, lantejoulas e paetês dos trajes dos artistas. Como diria minha namorada: “bapho”!


O mais legal é que essa fase não ficou marcada só pelos excessos e pelo bi(pan?)ssexualismo, mas por um rock n’ roll de extrema qualidade: além de Bowie, havia nomes como T-Rex, New York Dolls, Alice Cooper e Elton John. Até os misóginos Stones, especialmente Jagger (assista ao clipe de Hey, Negrita) e o durão de cara fechada Lou Reed se renderam ao estilo “pavão-misterioso-pássaro-formoso-da-rua-Sergipe-1493”. Dizem que os dois últimos, inclusive, junto com Bowie formavam um triângulo amoroso casual. Mas mesmo entre tanta afetação, as músicas eram agitadas e ao mesmo tempo sombrias, com forte energia sexual.
Hunky Dory, de 1971, é o quarto álbum de Bowie e antecede a fase Ziggy Stardust. No entanto, todos os elementos já estavam lá, do visual andrógino aos temas decadentes. Com um som mais baseado em violão e piano, o que se ouve é um Bowie, pelo menos pra mim, no auge de suas habilidades vocais de falsete advindas do âmago do conjunto de músculos intrínsecos de sua laringe. Ou seja, cantando pra caralho.
O som é basicamente Ziggy Stardust, porém com menos destaque para as guitarras e mais ênfase no piano de Rick Wakeman. O tecladista conta que, no ano seguinte, teria que escolher entre a Spiders From Mars de Bowie e o Yes. Apesar dos sons de estilos diferentes, as bandas disputaram o músico britânico, que acabou optando pelo Yes, hoje ícone do rock progressivo chato (eu sei que é refinado, sofisticado, complexo e erudito, mas não deixa de ser chato) que acabou sendo a causa do surgimento do punk. Vale lembrar que uma das maiores influências das primeiras bandas de punk foi justamente o glam da turma de Bowie.
O álbum tem homenagens a Andy Wahrol (na faixa chamada... Andy Wahrol!), a Bob Dylan (na não menos criativa... Song for Bob Dylan!) e ao Velvet Underground (Queen Bitch). Pra quem não sabe, Bowie foi o produtor do maior clássico solo de Lou Reed, Transformer, de 1972, em que o malvadão e sádico líder do Velvet flerta com a ideia de sair do armário e soltar a franga de vez.
Mas a nata está nas faixas que abrem o álbum. Começa com Changes, seguida de Oh You Pretty Things, duas canções sobre as aflições da geração “transviada” que formava o movimento glam. Life on Mars, com sua letra surrealista e melodia que vai te fazer ficar cantando mentalmente pro resto da vida, é a outra faixa que eu destaco.  
O álbum não obteve muito sucesso comercial na época, mas a influência de Bowie, musical e socialmente, já estava sendo construída. A atitude do artista, e de contemporâneos como Lou Reed – frequentemente acusado de transformar “a whole generation of youth into faggot junkies” - contribuiu para causas como a liberação gay e a criação de uma nova juventude, mais independente e bem resolvida sexualmente, por mais que o estilo glam em sua essência não tenha durado muito tempo.
Enfim, se você não tiver como ouvir Hunky Dory, ouça pelo menos Life on Mars que já vale o disco inteiro. Talvez valha a sua semana inteira."
Nota: 8,5/10



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