segunda-feira, 24 de novembro de 2014

R.E.M - Monster


Ano de lançamento: 1994

Felipe:
"Mais ou menos entre 1994 e 1996, quando a MTV era uma emissora de rock e não uma versão de piercing do SBT, eu corria pra frente da TV sempre que ouvia uma vinheta específica. Era o riff que abria o curto episódio de Garoto Enxaqueca -Migraine Boy no original e Chico Migraña se por algum motivo você assistia pela MTV latina - exibido pela emissora durante os intervalos comerciais. Eu tinha uns nove anos e em casa meu pai tinha o disco com aquela música. “Oooooohhhhh” (momento coral de anjos cantando e uma luz divina vinda do céu iluminando a capa laranjada com um bicho estranho de olho arregalado): era Monster, do R.E.M., e o riff do desenho era da música Crush With Eyeliner.


Não se trata do álbum mais famoso do R.E.M. Muita gente não gostou quando foi lançado. Não tem um grande hit nem nada. Mas pra mim é o melhor trabalho da banda. Barulhento, distorcido e pop, Monster, lançado há vinte anos (“it was twenty years ago almost today”), é o disco grunge do R.E.M., que abusa dos pedais para registrar as aflições pessoais de Michael Stipe na era pré-internet e início da “cultura” das celebridades.  
Se as pessoas esperavam Automatic for the People volume 2, se decepcionaram. Monster trouxe guitarras pesadas e letras obsessivas, que estrearam em primeiro lugar e logo foram despencando das paradas, na medida em que público e crítica metiam o pau no trabalho. Mas pra quê tanta hostilidade? Se não é uma obra-prima, Monster pelo menos figura entre os álbuns mais legais dos anos 90.
É o álbum mais pesado da discografia da banda. Alguns os acusam de aproveitar a onda do grunge. Errado. Quem aproveitou a onda do grunge foram as inúmeras bandas que apareceram copiando o som e a estética de Nirvana-Pearl Jam-Soundgarden-Alice in Chains. Algumas legaizinhas, outras detestáveis. O R.E.M. já era uma grande banda alternativa (se é que isso é possível) em 1994 e na verdade fazia parte da leva de bandas que inspirou o movimento. Kurt já havia morrido e o grunge já partia pra um “pós-grunge”.  
Monster está mais para um reflexo sombrio da morte do grunge e foi lançado alguns meses depois do suicídio de Kurt, amigo tardio de Stipe. Quando perguntado numa entrevista se via artistas famosos com frequência na casa do compositor, o empregado que encontrou o corpo de Cobain chegou a dizer: “Só aquele careca do R.E.M.”.
Stipe diz que as canções foram difíceis de escrever e gravar, pois havia muita tristeza ao redor do grupo. Além de Cobain, outro amigo tinha acabado de morrer: o ator River Phoenix. A mídia das celebridades, ainda em fase de gestação, espalhava que Stipe havia contraído HIV e a atmosfera era pesada.  Se os dois álbuns anteriores tinham sido contemplativos e acústicos, Monster era repleto de fuzz e delay, refletindo o espírito da banda no momento, que também voltava a excursionar depois de anos e queria algo mais pesado para os shows.
Tristeza, angústia e arrependimento, temas frequentes do grunge, dão as caras em todas as canções do álbum, que abre com a hoje clássica What's the Frequency, Kenneth?, inspirada nas  “Estratégias Oblíquas” criadas pelo produtor Brian Eno, um conjunto de cartas com frases  enigmáticas e aleatórias utilizadas para sair de uma situação difícil.  

Em seguida, vem Crush with Eyeliner, uma homenagem non sense ao glam rock perigoso de Iggy e New York Dolls, em contraste às influências infantis de músicas anteriores como Shiny Happy People, inspirada por The Monkees e Archies. King of Comedy, inspirada no filme homônimo de Martin Scorcese, dá continuidade à sequência de riffs distorcidos.  I Don't Sleep, I Dream acalma um pouco as coisas, só para Star 69 chegar destruindo tudo de novo, num rock de garagem cujo vocal dobrado te deixa desorientado e pedindo uma pausa.
Pausa oferecida prontamente com a canção seguinte, uma das melhores e mais subestimadas baladas dos anos 90, a insistente e arrependida Strange Currencies, cujo vídeo foi filmado no primeiro aniversário da morte de River Phoenix. O álbum continua calmo na balada Tongue, onde Stipe canta em falsete uma belíssima ode ao sexo oral em garotas feias.
O R.E.M. prepara o terreno para as coisas se agitarem novamente com Bang and Blame e I Took Your Name, mas pisam de novo no freio em Let me In, homenagem póstuma a Kurt Cobain. Circus Envy e You fecham o pacote e consolidam o R.E.M. como uma das maiores bandas dos anos 90.
Monster é meu álbum preferido do R.E.M. Primeiramente por razões musicais, por ser tão distorcido e sujo. Mas também por razões pessoais. Aprendi a complicada Strange Currencies no violão com 13 anos. No primeiro ensaio de minha antiga banda, tocamos I Took Your Name. Tongue e I Don't Sleep, I Dream já me tranquilizaram nos piores momentos. E, é claro, ainda escuto o riff de Crush with Eyeliner reverberar na minha cabeça sempre que algum chato ativa o Garoto Enxaqueca adormecido dentro de mim."
Nota: 9,5/10


Rafael:
"“Uma tentativa desesperada de recuperar sua “credibilidade de rua”.”

“Ah, os anos 90 e o “cool” do alt-rock.”

“Um olhar clínico sobre a fama e o desgaste pessoal de uma banda em seu auge.”

“Ei, sou Peter Buck, guitarrista do R.E.M. Acabei de descobrir os efeitos trêmolo e distorção e vou mostrar para vocês! Por doze músicas!”

“Uma banda tentando novos rumos e experimentar novos sons.”

Se as chamadas para a minha crítica passeiam entre a irônia babaca, a auto-crítica lamurienta, a falta de senso do ridículo ou a sinceridade escancarada, Monster do R.E.M também transita, indeciso, por estes caminhos.

A banda, o arquétipo de um legítimo representante do alt-rock dos anos 80 que batalhou bastante para ter um lugar ao sol, havia “chegado lá” depois de uma sequência imbatível de pequenos clássicos modernos instantâneos com Document (The One I Love, It´s The End of The World as We Know It), Green (Pop Song 89, Orange Crush), Out of Time (Losing My Religion, Shiny Happy People, Low) e Automatic for the People (Drive, Everybody Hurts, Man on the Moon) e foi galgando espaço no mainstream sem ter ao menos realizado turnês desde 1989. Era uma das maiores bandas do mundo no começo dos anos 90.

Por outro lado, havia quem criticasse este lado "vendido" do R.E.M de emplacar hits massivos acompanhados de vídeo clipes com forte apelo cinematográfico e sentimental. O começo dos anos 90 eram um turbilhão de movimentos contraditórios e a banda se mostrava indecisa e vacilante diante das pressões externas.

E esta dubialidade é percebida em Monster, onde não se tem certeza se é uma clara tentativa da necessidade de se estar de acordo com o som da época (inclusive comercialmente) ou se há sinceridade e dedicação nas escolhas feitas pela banda.

No primeiro caso reside o fraco rock-industrial de King of Comedy, a tentativa estranha de emplacar um novo Everybody Hurts com guitarras “alternativas” em Strange Currencies, o uso equivocado de feedbacks de Let Me In em que a música não “decola” nunca, o mantra enjoado cheio de lamento de You. No segundo caso, a já clássica What´s The Frequency, Kenneth? abre bem o disco, a repaginada esperta de Glam Rock de Crush With Eyeliner, o bom rock que remete mais aos anos 80 que aos 90 em Star 69, a vibe deprê de fim de noite de Bang and Blame, a bela balada estranha em falsete de Tongue.

Diante de todos os seus problemas, Monster possui um trunfo legítimo: a busca por experimentação, independente se o resultado foi satisfatório ou não, sem sacrificar qualquer ímpeto da banda. O R.E.M levou este aprendizado à frente, com resultados maravilhosos (em New Adventures in Hi Fi) e totalmente desastrosos (em Around the Sun). E talvez por isto até suas tentativas fracassadas sejam, lá no fundo, também interessantes."

Nota: 6,5/10


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