terça-feira, 2 de dezembro de 2014

The Fiery Furnaces - Gallowsbird's Bark


Ano de lançamento: 2003

Rafael:
"Eu sempre refuto a ideia simplista e reducionista de que as melhores bandas da música pop só estavam nos anos 60 e 70 ou que nestes períodos só haviam bandas boas. Acredito que aquelas que permaneceram por décadas foram as que ressaltaram ao mar de bandas medíocres contemporâneas. Tudo depende de uma perspectiva e pesquisa histórica. O Led Zeppelin ou o Black Sabbath não eram queridinhos dos críticos, mas eram sucesso inegável de público. Por outro lado, os Stooges, o Big Star ou os Replacements eram amados pelos críticos mas fizeram pouco sucesso de público. Estas bandas todas, no entanto, deixaram marca na história, cada um com sua importância para o universo pop. É óbvio que não veremos um novo Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Black Sabbath, The Clash. E, para falar a verdade, quem quer ver bandas que sejam cópias baratas idênticas das que já existiram?

Vivemos no século XXI, mais que em outras décadas passadas, o sentimento de que todas as possibilidades já foram tentadas e que não há mais terreno a ser explorado. Tudo parece ser uma cópia (mal feita) de nossos ídolos. Ao passo que a facilidade de acesso a discos e à tecnologias de produção caseira foram ampliados exponencialmente, há a impressão que o nivelamento tem sido o mais baixo possível. O caminho fácil, simplista e sem criatividade parece ser a tônica destes novos tempos.

A visão que tenho é que há tanta produção independente, tantos selos distintos, tanta música sendo feita que não conseguimos (ou não queremos) filtrar esta avalanche de músicas, de artistas, de singles e álbuns que pipocam em torrents, nos New Album Releases da vida que muitas das vezes o que salta em nossos ouvidos é o enlatado do pop fabricado em gráficos de pesquisa de mercado, o rap bling bling descerebrado e sexista, o funk ostentação desafinado e porco, o sertanejo universitário analfabeto. E aqueles que se interessam em sair deste lugar comum recorrem APENAS ao porto seguro fácil de nossos ídolos do passado pois é o caminho mais fácil a se seguir. Mas não é o único. Há muita música interessante e criativa sendo feita e basta uma curiosidade aguçada e paciência, pois é realmente um exercício de tiro no escuro.

A banda The Fiery Furnaces ilustra muito bem este ponto de vista. Encabeçada pela dupla de irmãos Eleanor e Mathew Friedberger, é pouco conhecida e tem uma base de fãs diminuta, mas fiel, e seguem com uma discografia respeitável e que tem sempre em vista mais suas aspirações artísticas do que se vender às fórmulas fáceis de sucesso. Logo em seu ótimo disco de estréia, Gallowsbird's Bark, já mostra a que veio, numa fusão de diversos estilos díspares que vão do rock de garagem ao soft rock setentista da Costa Oeste, passando pela música de câmara erudita e o experimentalismo extremo do blues bêbado do Captain Beefheart entrecortado por melodias assobiáveis e letras repletas de imagens surrealistas e jogos de palavras inteligentes.

O que na minha descrição pode cheirar a academicismo empoeirado, na prática é uma sequência de 16  mini histórias condensadas em três minutos intensos para uma geração que sofre de déficit de atenção e que necessita que a música venha logo, sem firula, e que dê seu recado e passe para a próxima faixa.

Desde o começo de um feedback desconjuntado que inicia o boogie woogie bizarro insistente de South is Only a Home, passando pela cover não anunciada do Dylan na sua fase hipster em I’m Gonna Run, o drone sintetizado que culmina num ataque feroz de guitarras em Leaky Tunnel, o psych pop ensolarado de Tropical Ice-Land, a balada depressiva inspirada em Carole King de Rub-Alcohol Blues até finalizar no folk blues psicodélico fantasmagórico e apocalíptico de We Got Back The Plague, o que se ouve é uma banda que se aventura por estilos sem qualquer pretensão de superar suas influências, mas de consumí-las e regurgitá-las como animais diferentes, dando novo sentido aos estilos já conhecidos e criando, também, uma obra atemporal."

Nota: 9/10


Felipe:
"Antigamente, tocava-se rock n’ roll. Depois, surgiram bandas de subgêneros específicos: Hard Rock, Heavy Metal, Punk Rock, Rock Progressivo. Aí vieram Pós-Punk, New Wave, Rock Alternativo, Trash Metal, Hardcore e até siglas impronunciáveis como N.W.O.B.H.M, num organograma que foi ficando mais e mais complexo e maluco com o passar do tempo. Com o passar dos anos e o surgimento de zilhões de vertentes, hoje temos uma situação onde uma banda consegue ser classificada como “folk-pop-indie-neo-psicodélico-alternativo-de-garagem” e coisas do tipo. Eu geralmente tenho preguiça desse tipo de som e peguei o primeiro álbum do The Fiery Furnaces pra ouvir com certa má vontade. No entanto, gostei do que ouvi.   
A banda vem de Nova York, berço de algumas das minhas bandas favoritas, apesar dessas serem mais sujas e barulhentas. O nome (irônico?) The Fiery Furnaces remete à baboseira da fase babilônica da Bíblia, o que também me faz lembrar de ídolos da cena protopunk de NY: no final dos anos 80, Dee Dee Ramone tocou com Stiv Bators (ex-Dead Boys) e Johnny Thunders (ex- New York Dolls e ex- Heartbreakers) num projeto chamado Whores of Babylon. Claro que com esses três juntos nada podia dar certo.    
Voltando ao álbum em questão, Gallowsbird's Bark, de 2003, traz um som que realmente não dá pra classificar num formato padrão e simples. Extremamente melódicas, as canções passeiam entre o indie mais pop e o rock experimental do Velvet Underground, usando desde o bom e velho violão até o sintetizador. Como definiu certa vez meu sócio aqui no blog, trata-se de um ‘pop meio torto’.  
A banda possui uma dinâmica estilo White Stripes. Os membros principais, Matthew e Eleanor Friedberger (que parece uma Patti Smith que lavou o cabelo), são irmãos e foram comparados a Jack e Meg White também pelas características blueseiras, ainda que mais diluídas em psicodelia sessentista e letras perturbadas.
É um som muito interessante e que, ao contrário de várias bandas de sua geração, não copia descaradamente suas influências. Eles as utilizam para criar uma obra própria, cheia de referências e que pode ser punk de garagem cru misturado com Kraftwerk; Grace Slick fazendo uma jam com Jack White, Sterling Morrison e Moe Tucker quebrando tudo num porão escuro enquanto lá fora faz um dia ensolarado e feliz. Na mesma música.
Destaque pra singela faixa Tropical Ice-land, que fica mais bonita a cada vez que é ouvida."
Nota: 8,5/10



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