segunda-feira, 3 de novembro de 2014

The Kinks - Arthur (or The Decline and Fall of the British Empire)


Ano de lançamento: 1969


Rafael disse:
    "Não lembro claramente em qual situação ou qual a motivação, mas Arthur (Or The Decline and Fall of British Empire) foi o primeiro álbum dos Kinks que ouvi. Até então eu tinha a mesma referência que a maioria das pessoas (aquelas que tinham uma vaga noção de quem seriam os Kinks): aquele riff cru, direto, proto-punk de You Really Got Me, seu maior hit até hoje.
    Agradeço aos Deuses da Música até hoje por isto, pois o choque de sonoridades entre este hit conhecido e o álbum que se descortinava à minha frente foi gritante e serviu para me instigar a conhecer mais aquela banda britânica, até então obscura. Não estou fazendo juizo de valor entre You Really Got Me (e as demais músicas da mesma época) com o que se ouve em Arthur, mas ressaltando a disparidade dos estilos, separados por meros cinco anos de diferença. Quem imaginaria em 1964 que aqueles Mods, que seguiam a cartilha clássica de seus contemporâneos (como The Who e os Small Faces) e bebiam o R’n’B e blues americano fariam depois obras conceituais com um som expansivo, apoteótico e bem produzido?
    Esta mudança se deve muito pelo gênio de Ray Davies, que moveu os Kinks muito além de releituras de músicas e estilos americanos, e voltou seu olhar para o cotidiano britânico, alternando entre o humor negro e o wit inglês, a doçura sentimental barata e a genuína melancolia de lamento por um tempo que não volta mais.
    Em álbuns como Face to Face e Something Else esta faceta se apresenta em pequenas gemas de até três minutos como Holiday in Waikiki, Waterloo Sunset, Rainy Day in June e David Watts. As aspirações de Davies aumentaram e em Village Green Preservation Society há uma concisão entre as faixas e assim cria-se uma mini ópera rock onde o tema são suas lembranças de uma Inglaterra que não mais existe, e que também só existiu nas reminiscências distorcidas de Ray Davies.
    Village Green, no entanto, não vendeu bem muito em parte por ter um som muito calcado no folk e no baroque pop e o universo pop estava sendo dominando pela psicodelia e o rock pesado. Em Arthur a banda tenta dar um direcionamento neste sentido, com um som mais pesado e elaborado, mas sem abrir mão do que já tinham feito em termos de instrumentação, adicionando naipes de metal, orquestra e instrumentos acústicos.
    Concebido inicialmente como um musical para TV que foi cancelado e engavetado, o álbum é inspirado na vida de Arthur Anning (Arthur Morgan no disco), cunhado dos irmãos Davies, e que se viu pressionado a ir para a Austrália em busca de condições melhores de vida que a Inglaterra pós-guerra não poderia oferecer.
    O que ouvimos pelas faixas de Arthur é um misto de nostalgia e saudade verdadeira, mas também de cinismo e crítica velada por uma terra-natal que não pôde prover ou dar condições aos seus filhos de viverem dignamente. Ouvimos desde o pop grandiloquente de Victoria, uma crítica à coroa inglesa em que “Apesar de pobre, sou livre. Quando crescer, devo lutar, por esta terra devo morrer”, passando pela realidade dura da guerra e a subserviência ao governo de Yes Sir, No Sir e Mr. Churchill Says, a alienação, o consumismo e o falso sonho pequeno burguês em Drivin´, Brainwashed e Sangri-la, a dura realidade da pobreza na inglaterra pós-guerra em She Bought a Hat Like Princess Marina e a promessa falsa de felicidade em Australia.
    Espero que para você que está lendo este texto agora ouça Arthur com a mesma atenção que ouvi a primeira vez e seja tão instigado quanto fui a conhecer esta banda maravilhosa e subestimada, que em sua discografia errática surgem grandes clássicos que merecem ser redescobertos pelas novas gerações."


Nota: 9/10





Felipe disse:

    “Os Kinks foram uma das bandas da chamada British Invasion, termo usado para definir o movimento cultural que aconteceu nos EUA após a chegada dos Beatles pela primeira vez ao país em 1964. Após a histórica apresentação do quarteto de Liverpool no Ed Sullivan Show - alcançando então a maior audiência televisiva da história - e o estouro da beatlemania no país, uma manada de bandas inglesas invadiu as estações de rádio, emissoras de TV, lojas de discos e bancas de revistas americanas. Entre elas, nomes que se consolidariam como influentes artistas de seu século, como Rolling Stones, Who, Yardbirds e Animals até coisas de gosto duvidoso e que não resistiram ao tempo, como The Dave Clark Five e Gerry & The Pacemakers.
    A questão é que o rock – que de novo não trazia nada e consistia basicamente em country, blues, R&B e gospel repaginados para a juventude branca do pós-guerra - provavelmente teria morrido se não fosse a nova safra de bandas inglesas lideradas pelos Beatles, que deram novo fôlego comercial e criativo ao gênero.  E além de não morrer, até o final da década, em apenas cinco ou seis anos, o rock amadureceu de forma impressionante. Em 1969, já passada a euforia pop da invasão, os Kinks lançam “Arthur (Or the Decline and Fall of the British Empire)”, um álbum meio que conceitual onde tentam acompanhar a onda psicodélica retratando a cultura e o estilo de vida britânico.
    O que me incomoda é que eu não vejo os Kinks como banda psicodélica. Eles sempre tiveram um pé no rock de garagem, termo que ainda nem existia na época, que os diferenciava das outras bandas da invasão britânica. Trata-se do grupo a quem muitos atribuem a popularização – se não a própria criação - do power chord na música pop. Uma rápida busca no Google e você verá que a Wikipedia os classifica como “Rock / Rock and roll / Rock de garagem / Protopunk”. Veja bem: “Protopunk”!
    No entanto, o que se ouve em Arthur é uma sequência de faixas que de protopunk não tem nada: Victoria é pop feliz; Yes Sir, No Sir é Rogério Duprat puro; Drivin parece Kinks imitando Beach Boys imitando Beatles; Australia parece Mutantes; Shangri-La podia muito bem ter saído de uma cena do musical Hair; Mr. Churchill Says é vaudeville lisérgico e por aí vai. 
    Algum problema? Nenhum. O álbum é um belo resumo do zeitgeist musical da época. Mas quando eu ouço Kinks, eu não quero ouvir pop feliz, nem Duprat, nem Beach Boys, muito menos Hair ou vaudeville. Eu quero ouvir acordes toscos, guitarras cruas, vocais rasgados, You Really Got Me, All Day And All of the Night e coisas do tipo. Pra mim, essa é a essência dos Kinks e é nessa fase que reside a grande influência que eles exercem, seja nas primeiras bandas punks ou no Britpop.
    Apesar de ser classificado no chatíssimo conceito de “Ópera Rock”, Arthur é um disco legal e bem a cara da cena inglesa dos anos 60: basta lembrar que foi lançado no mesmo ano que Tommy, que a suíte do lado B de Abbey Road e que Ummagumma. Paralelamente, 1969 foi o mesmo ano do primeiro álbum dos Stooges e de Kick Out the Jams do MC5 (que ano, meu Deus!), bandas de verdadeiro protopunk, que pra mim representam o caminho que os Kinks poderiam ter trilhado se tivessem mais culhões.
    Os fãs do álbum podem me chamar de ignorante, mas se eu quiser ouvir álbum conceitual retratando o estilo de vida britânico eu ouço o Dark Side of the Moon. Prefiro Kinks das antigas.”

Nota: 6/10



Nota: como não conseguimos link para o álbum inteiro, seguem alguns vídeos das faixas.










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