terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Otis Redding - In Person at Whisky a Go Go


Ano de lançamento: 1968


Rafael:
"“A vida não é justa.”


Acho que este deveria ser o subtítulo de todo disco de Otis Redding. Há em mim sempre um resquício de melancolia de pensar que um talento desta magnitude partiu no auge de sua carreira em um acidente de avião. Felizmente nos deixou como legado uma discografia praticamente irrepreensível em sua qualidade. Qualquer disco de estúdio é recomendado, mas neste In Person at Whisky a Go Go é que percebemos a força e vitalidade de Otis, sua voz de timbre marcante e interpretação fora do comum. Aqui “o bicho está solto” e nós somos “as vítimas”.

Antes de analisar o disco em questão vale o registro do quanto Otis Redding é sub-apreciado hoje em dia. Sua interpretação intensa e verdadeira daquilo que cantava passa longe do histrionismo e excessos que assistimos hoje em dia em reality shows musicais em que a máxima aplaudida pelos incautos é de berrar e sustentar uma nota por mais de um minuto, como se presenciássemos uma maratona ao invés de uma apresentação musical. Otis Redding, assim como Aretha Franklin, James Brown, Etta James, Nina Simone, Tim Maia, Cassiano, Sharon Jones, Al Green e outros gigantes do gênero sempre mostraram é que se faz mais não necessariamente com mais volume, floreios e interpretações exageradas e vexaminosas, mas com mais coração, sentimento verdadeiro pela música, pelo que realmente está cantando. Nada destes cantos de gralhas desafinadas de Celines Dions, Mariah Careys e Jennifer Lopez da vida.

Infelizmente lançado após a morte de Otis, este é um registro ao vivo muito especial por ter acontecido em 1966, quando Otis estava em seu melhor momento da carreira e antes de contar com Booker T. and The MG´s como banda de apoio. Este é um Otis Redding e banda original no topo do seu jogo, despejando toda sua força, suingue, carisma e presença de palco em um show curto (quase 35 minutos) mas muito, MUITO intenso.

O som impecável da gravação nos transporta de frente ao mestre e quando começa o riff de guitarra (com acompanhamento do baixo) e o ataque impiedoso dos naipes de metal de I Can´t Turn You Loose já somos rendidos logo de cara. O som é Soul music, mas é tão afiado que corta como o rock. Para respirar, a banda desacelera e manda a belíssima e sofrida Pain In My Heart, recheada de arranjos maravilhosos dos metais que fazem um contraponto à voz sentida de Otis. Just One More Day segue o caminho das baladas e aqui o belo dedilhado de guitarra é o ponto de apoio central da música.

Com Mr. Pitiful Otis e banda jogam lenha na fogueira de novo. Com um groove matador do baixo e outro arranjo inventivo de metais e guitarra nos refrões, põe o palco abaixo. Falei de cortar como rock?! Na sequência uma versão de (I Can’t Get No) Satisfaction que faria Jagger e companhia sentirem vergonha (na verdade, esta canção foi composta à época pensando exatamente no groove e ataque de Otis Redding!). Tocada três vezes mais rápida que a original, é inacreditável que Otis conseguisse cantar (e se mexer no palco, como podemos ver em diversos vídeos no Youtube) sem perder o fôlego. Uma pausa?! Só se fosse em outra banda. O clima festivo, mas mais relaxado, continua em I’m Depending on You e Any Ole Way, maravilhosas gemas pop até a medula. E, novamente, que naipes de metal!

Na próxima canção, parece que presenciamos um improviso no set-list. Ouvimos um fã clamando por These Arms of Mine. Redding e banda não titubeiam e lançam, de cara, mais uma bela balada. Voltando à “programação normal”, mais uma cover matadora, agora reverenciando o mestre James Brown com Papa’s Got a Brand New Bag (como na cover dos Stones, também ligada em 220 volts) e, para fechar com chave de ouro, seu grande hit, mais conhecido na voz de Aretha Franklin: Respect.

E após os últimos aplausos terminados em fade, voltamos à realidade. Uma realidade crua e triste em que Otis Redding não faz parte, mas, olha só, vai ter seu reality show musical favorito nesta semana. Ouça e chore (no pior sentido). Realmente, a vida não é justa."

Nota: 10/10



Felipe:

"In Person at the Whisky a Go Go, de 1968, é um álbum póstumo. Otis Redding, promessa do soul americano, um dos maiores destaques do Monterey Pop Festival (que contou com shows de gente como Hendrix, Who e Janis), possuidor de moral suficiente para ser membro do elenco da Stax Records (que reunia a nata do rhythm and blues e do soul), considerado um dos maiores artistas de todos os tempos pela revista Rolling Stone e grande apreciador da obra de Little Richard havia morrido no ano anterior, em um acidente de avião.
Como o nome diz, o álbum foi gravado na Whisky a Go Go (famosa casa noturna que já recebeu Doors, Guns, Aerosmith, Ramones, Cream, Led e mais uma caralhada de bandas fodas) em 1966 - antes do soulman estourar no Monterey Pop. O disco traz uma coletânea de canções próprias e covers de artistas consagrados, numa performance frenética que pode ser considerada um resumo do que Otis era ao vivo.  
Destaque para Respect, que seria gravada por Aretha Franklin. A diva do soul se apropriou de tal forma da música em 1967 que fez dela sua marca registrada, em uma versão considerada definitiva. É interessante como isso acontece com muitos artistas: Joe Cocker fez com With a Little Help From My Friends (dos Beatles, se por acaso você começou a ouvir rock n’ roll nesta semana), Hendrix com All Along the Watchtower (Dylan ficou puto quando ouviu a versão, muito melhor que a original dele) e os Beatles com Rock n’ Roll Music (do ídolo Chuck Berry), por exemplo. Enquanto na versão de Aretha a música é uma declaração forte e feminista de uma mulher que sabe que tem tudo que seu homem quer e por isso exige respeito, a versão original de Redding traz o apelo desesperado de um homem que daria a sua mulher qualquer coisa que ela quisesse.
Outros momentos ótimos são os covers de Rolling Stones (Satisfaction, com o riff tocado por um naipe de metais e um final anfetamínico) e James Brown (Papa’s Got a Brand New Bag). Os Stones inclusive gravaram, no início da carreira, duas canções de Redding (That's how strong my love is e Pain in my heart). O guitarrista Brian Jones chegou a declarar que "nem por um milhão de libras subiria no palco depois de Otis Redding".
Otis teve sua carreira abortada injustamente pelos deuses da música. Ao contrário de muitos músicos de sua geração, que praticamente imploravam pra morrer usando quantidades mastodônticas de drogas, Redding foi tirado da vida aos 26 (não teve nem tempo de entrar pro clube dos 27), bem no momento em que sua carreira decolava mais alto. Sem trocadilhos macabros."
Nota: 8/10


Vídeo de bônus: parte da incendiária performance no Monterey Pop Festival

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