terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Love - Forever Changes


Ano de lançamento: 1967

Rafael:
"O ano de 1967 foi crucial para a história. O “Verão do Amor” foi o ápice do pensamento de paz e amor, da juventude hippie, do amor livre, das novas percepções em relação às drogas, da disseminação de novas formas de pensamento. No campo da música pop, poucos anos se comparam em qualidade e importância ao que se observa em 1967, seja nos EUA, no Reino Unido ou no Brasil. O primeiro do Caetano e dos Mutantes, Sgt. Peppers dos Beatles, Surrealistic Pillow do Jefferson Airplane, Disraeli Gears do Cream, Sell Out do Who, e muitos outros discos clássicos da música pop foram lançados neste icônico ano e quase todos compartilham e reforçam as características do Verão do Amor, a psicodelia em seu estado bruto e inocente, a alegria, amor e vida comum dos hippies e da juventude que se firmava como parte importante da sociedade.

Como havia afirmado, QUASE todos seguiam esta máxima. Há obras que iam por outra corrente e vislumbravam o declínio desta visão bela e inocente do mundo. O álbum de estréia do Doors tinha um viés psicodélico mais ancorado na paranóia (que se agravaria depois), o Velvet Underground em seu disco de estréia mostrou que o pop pode ser abrasivo, ruidoso e cheirar à uma esquina fétida cheia de junkies e ainda soar cool. E temos em Forever Changes, do Love, provavelmente a mais bela tradução de melancolia em forma de música, sendo praticamente uma negação velada ao Verão do Amor.

O Love surgiu em 1965 e tinha um som calcado no rock de garagem e sua verve nervosa pode colocá-los lado a lado com bandas proto-punks como os Doors (que, coincidentemente, faziam parte da mesma cena) e The Stooges. Liderados pela criatividade e ecletismo de Arthur Lee, o grupo passou a diversificar seu som e elementos de baroque pop, free jazz e soul foram adicionados ao seu rock de garagem e o resultado é Da Capo, o segundo disco da banda.

O que se ouve em Forever Changes é uma guinada radical do que se observava timidamente como experimentação em Da Capo: há o domínio do folk, assim como arranjos de orquestra, quarteto de cordas e naipes de metal. A guitarra aparece em momentos pontuais, mas marcantes, como os solos frenéticos de A House is not a Motel e de Live and Let Live.

No dedilhado crescente que se encaminha para um mariachi psicodélico pontuado por floreios do violão e solo de trompete de Alone Again Or percebemos a transformação radical da abordagem do Love. Sai o ímpeto rockeiro feroz e no seu lugar entra um lado mais contemplativo, mas não menos desafiador.

Arthur Lee troca seus ataques guturais pela sutileza e canta melhor do que nunca havia cantado, afim de que suas letras que oscilavam entre a melancolia, a contemplação do caos que se instaurava no horizonte e a depressão da impotência diante do peso do mundo ressoassem mais a cada sílaba pronunciada. E sob a superfície falsa das belas melodias que transpiravam inocência há a dubialidade de sentimentos. O bucólico esconde a hipocrisia da falsa paz de espírito em The Good Humour Man He Sees Everything Like This, o pop bubblegum de The Daily Planet esconde visões apocalípticas, a beleza singela de Old Man na verdade esconde uma angústia de um tempo que nunca mais será realidade. Há também mensagens diretas contra a guerra do Vietnã (mas que num contexto mais abrangente serve a qualquer guerra) em Live and Let Live e The Red Telephone.

Injustamente (se é que há justiça no campo das artes) Forever Changes não teve o devido reconhecimento à época. Seu estilo musical diferenciado e suas letras contundentes e diametralmente opostas ao Verão do Amor o colocava como um estranho no ninho em 1967. Ainda hoje em dia é um álbum mais conhecido entre aficionados por música, mas sempre nutro a esperança que mais pessoas possam ser “atingidas” pela beleza instrumental e as mensagens fortes, melancólicas, mas, no fundo, esperançosas que este disco deixa em quem o ouve. Diante de todo desespero, Arthur Lee conclui em Forever Changes:

“This is the time and life that I am living
And I'll face each day with a smile
For the time that I've been given's such a little while
And the things that I must do consist of more than style
There'll be time for you to start all over”

Nota: 10/10


Felipe:
"O Love é considerada uma banda muito influente de seu tempo e Jim Morrison a mencionava como sua banda favorita. Seu líder, Arthur Lee, era amigo próximo de Jimi Hendrix e, para quem não conhece a fundo sua obra (o que é o meu caso), Love é apenas uma referência em proto-proto-proto-protopunk. E como a ideia original deste blog é transmitir as impressões dos autores após ouvir com atenção determinado álbum – ainda que os mesmos passem mais tempo floreando tudo com contextos históricos e cultura inútil - aí vão as minhas impressões:

Gravado em 1967, no auge do Verão do Amor, Forever Changes traz letras que destoam um pouco de seus semelhantes, tratando de temas mais nublados. Quando compôs o material que se transformaria no álbum, Lee acreditava cegamente que seu corpo não iria aguentar sua libertina vida de excessos desregrados e que aquelas letras seriam suas últimas palavras.  Em Forever Change não há nada de protopunk. Pelo contrário, trata-se de um álbum orquestrado que mistura rock com folk, jazz e música latina, apesar dos solos de guitarra avançados para seu tempo.

O álbum abre com Alone again or, um exercício de folk com música mexicana. A House is not a motel é um folk chato, mas que explode em solos sujos no estilo do Velvet Underground e numa bateria caótica e garageira, o que acaba salvando a música. A ‘moodybluesiana’ Andmoreagain é a faixa que mais se encaixa no padrão das bandas do Verão do Amor. The Daily Planet não me pareceu relevante. Se é pra ouvir Old Man, eu prefiro ouvir a canção homônima do Neil Young, que inclusive seria o produtor de Forever Changes, mas acabou desistindo.
The Red Telephone é um soft rock com backing vocals legais de ‘shalalalala’ e isso foi tudo o que eu consegui pensar pra falar dessa faixa. Maybe the people would be the times or between Clark And Hilldale, apesar do título horrível, dá uma animada no álbum, com mais toques de música latina e um final bastante cool lembrando uma jam em algum bar mexicano. Live and let live só fica legal no final, com a guitarra cheia de fuzz.
A quase tropicalista/’dupratiana’ The good humor man he sees everything like this me lembrou Femme Fatale do Velvet Underground e também Baby dos Mutantes. As duas primeiras gravadas em 1967 e Baby um pouco depois, no início de 1968. A ‘dylanesca’ Bummer in the summer é o ponto alto do disco, e poderia facilmente estar no lado A de Highway 61 Revisited. É quase possível enxergar Bob Dylan resmungando a letra. Pra fechar, a épica You set the scene traz o que seriam as considerações finais de Arthur Lee: “If you‘re nice you’ll bring me water, if you not then i will burn”.   
Forever Changes é o disco favorito de muita gente importante no organograma do rock n’ roll. E você corre seriamente o risco de ser alvo de chacota se disser que não é fã numa rodinha de críticos e entendidos do assunto. Mas, sinceramente, tem muitos discos melhores gravados em 1967. Ouça-os primeiro."
Nota: 6/10

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