terça-feira, 26 de maio de 2015

The Jesus and Mary Chain - Psychocandy


Ano de lançamento: 1985


Felipe:

"Há muito tempo, lá nos anos 90, li na revista Bizz que “num mundo ideal, não precisaríamos explicar para as pessoas quem são os irmãos Reid”. Mas como o mundo em que vivemos está longe de ser o ideal, deixe-me explicar.

Jim e Willian Reid são respectivamente o vocalista e o guitarrista do Jesus and Mary Chain. Dois escoceses tímidos, vampirescos, magros e hipoglicêmicos, de peles terrivelmente brancas e cabelos assombrosamente desgrenhados, quase sempre vestidos em couro preto, botas e óculos escuros (lembrou do Velvet Underground?).

À frente do Jesus and Mary Chain, os dois ajudaram a definir, nos anos 80, o estilo conhecido como “shoegaze”: vertente do rock alternativo pós-punk, cujas bandas não davam a mínima para o público. No palco, os shoegazers apenas “encaravam os sapatos”, sem nem olhar para a plateia ou até mesmo tocando de costas para o público, como faziam os próprios membros do JMC, quase sempre severamente bêbados e incitando a plateia à violência.

Além da estética, o Jesus and Mary Chain emulava o Velvet Underground também na sonoridade (“The best band in the world ever. They were the Mary Chain before the Mary Chain”, de acordo com Jim), levando as distorções para bem além dos limites máximos que qualquer banda já havia experimentado em seu tempo. A bateria primitiva de Moe Tucker ecoa descaradamente nas batidas de Bobby Gillespie - que depois seria o líder do Primal Scream.

As melodias doces e inocentes dos Beach Boys, a simplicidade romântica e pop das Ronettes, a mão invisível de Phil Spector e o bubblegum adolescente dos Ramones parecem ser massacrados pelas guitarras de um açougueiro assassino com uma serra elétrica na mão e uma colmeia inteira de abelhas do inferno na outra. Tudo isso na voz baixa e triste de Jim Reid, a prova viva de que não é preciso ter o alcance vocal de um Freddie Mercury ou Axl Rose para ser o vocalista de uma banda de rock. 

Psychocandy, de 1985, é um dos álbuns mais legais que já ouvi, uma paradoxal obra-prima decadente e anti-pop composta por 15 faixas do mais puro pop. Sem meios termos, o álbum é ódio ou amor, barulho ou melodia. Psychocandy é pesado, negativo, distorcido e depressivo, mas tem momentos tão assobiáveis quanto qualquer faixa de A Hard Day’s Night ou Surfin’ USA. Ouça Just Like Honey, The Hardest Walk, Some Candy Talking, Cut Dead e Some Candy Talking de novo. 

Desde os Ramones, a derrota existencial dos nerds, freaks, desajustados, esquisitos e feios do mundo inteiro não era tão cool."

Nota: 10/10


Rafael:
"Knife to my head when she talks so sweetly
Knife in my head when I think of Cindy
Knife in my head is the taste of Cindy, ohh

Por mais marcante que seja o início de Psychocandy com a entrada de bateria com reverb, o baixo lento e pulsante e as dissonâncias àsperas do dedilhado da guitarra de “Just Like Honey”, esses versos de “Taste of Cindy”, última faixa do lado A, conseguem expôr diretamente em palavras o que se descortina ali diante do ouvinte. A voz é letárgica, sem variações. A letra é uma poesia que oscila entre o amor inocente juvenil e o niilismo. No som, melodias assobiáveis por baixo de camadas de ruído tão intensos que dão a impressão que podem ser pegos no ar. O contraste da faca na cabeça e a voz doce de Cindy.

Os irmãos Jim e William Reid, fundadores do JAMC, idolatravam o Velvet Underground, mas não negavam seu amor pelos Beatles, Beach Boys e por girl groups como as Ronettes e as Shangri-las. A mistura de gêneros não era novidade no final dos anos 70 e começo dos 80, mas nunca tamanha disparidade estilística foi fundida gerando frutos tão perturbadoramente belos quanto em Psychocandy.

As mensagens nas canções, no entanto, são simples e refletem os anseios e sentimentos de jovens que se viam desacreditados e deslocados nos subúrbios do interior da Escócia. Há a necessidade de viver sob o fio da navalha (The Living End, Taste the Floor), a admiração distante do amor não correspondido (Just Like Honey, Taste of Cindy, Some Candy Talking), timidez e introspecção (My Little Underground, The Hardest Walk) e pura revolta adolescente (Cut Dead, In a Hole, It´s Hard). Tudo isto com o amplificador e o pedal de distorção no volume 11.

Psychocandy não é tão somente um clássico e um divisor de águas, mas é o ponto de partida para a criação de diversos gêneros musicais como o noise-pop e o shoegaze. Na verdade, era a ponte necessária para o rock dos anos 70 e a explosão de bandas e gêneros “alternativos” nos anos 90. O Jesus and Mary Chain foram das poucas bandas do circuito indie a ter relevância popular à época, distoando em sonoridade da cena que dominava as rádios. Em entrevista recente, à época da tour em comemoração aos 30 anos de Psychocandy, Jim Reid afirma que o som dos anos 80 os impulsionaram a tocar daquela maneira, mas no sentido inverso: “Odiávamos a cena musical dos anos 80. Digo, detestávamos mesmo. Os Mary Chain foram mais influenciados pela música ruim que pela boa. Conseguimos sair bem disto. Apenas começamos a banda por que pensávamos, ‘Porquê ninguém toca assim?’

Nota: 10/10


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