quinta-feira, 18 de junho de 2015

Jeff Buckley - Grace


Ano de lançamento: 1994


Felipe:
" Grace, de 1994, é o primeiro e único álbum de estúdio de Jeff Buckley e é uma choradeira só. Mas é a melhor choradeira que você vai ouvir na vida.

Filho do folksinger Tim Buckley, Jeff apareceu do nada e foi muito elogiado por gente importante (Robert Plant, Jimi Page, Paul McCartney,etc ). Dono de uma voz poderosa e de agudos estridentes, seu visual, postura no palco e letras refletiam o momento do grunge. Porém, seu som era muito leve para o público underground e pouco comercial para as rádios, o que levou Grace a não atingir vendas satisfatórias na época.

Se mercadologicamente Grace não representou números surpreendentes, artisticamente o álbum é impecável. Com um conjunto de canções melancólicas, Jeff era representante legítimo da safra de poetas irrecuperavelmente apaixonados da História. Como os poetas do Romantismo, que veneravam a agonia do apaixonado acima de qualquer prazer, a obra de Buckley retrata amores trágicos e é marcada pelo lirismo e pela emoção.

As faixas do álbum podem ser definidas como dez variações de I Know it’s Over, dos Smiths (uma das músicas de amor mais bonitas da história do rock n’ roll, junto de, sei lá, Something e Black) e sua temática de relação despedaçada.

O que a estimada leitora tem de entender é que Jeff era o tipo de cara que iria implorar para ao menos dormir no seu sofá se você terminasse com ele (“Love, let me sleep tonight on your couch / and remember the smell of the fabric of your simple city dress”, em So Real). Se você não deixasse, ele dormiria no portão da sua casa mesmo, ao relento, no frio.

A carência do rapaz beira a timidez e falta de iniciativa (“I love you, but I'm afraid to love you”, também em So Real). Qual é, você é um homem adulto, vai lá e pega a gatinha, porra! A falta de autoestima é deprimente em versos como “Kiss me, please, kiss me / But kiss me out of desire, babe, not consolation” (em Last Goodbye). Tadinho.

Mas a gente sabe que situações como essas são recorrentes na vida de toda pessoa apaixonada cujo relacionamento é rompido. Last Goodbye é praticamente uma carta de despedida (“I hate to feel the love between us die / But it's over / Just hear this and then I'll go: you gave me more to live for, more than you'll ever know”). Quem nunca se desesperou ao ver a pessoa amada indo embora?  (“Did you say ‘no, this can't happen to me,’ and did you rush to your phone to call?”, ainda em Last Goodbye).

Mas, diferente de milhares de cantores pretensiosos, Buckley consegue transformar toda essa dor de cotovelo em arte da melhor qualidade. Basta assistir a uma performance ao vivo para perceber que sua dor era genuína. Até entoando versos “gospel” (Hallelujah, de Leonard Cohen)  Buckley consegue convencer. A coisa só começa a desandar pra chatice nos falsetes de Corpus Christi Carol. Mas nada tira a beleza deste disco.

O artista teve uma morte prematura e imbecil: bêbado, resolveu nadar num rio e morreu afogado. Um amigo diz que ouviu Jeff cantarolar Whole Lotta Love enquanto entrava na água. Seria a última canção que interpretaria em sua vida. Tinha apenas 30 anos.

Histórias como a dele nos fazem crer que certos caminhos estão determinados desde sempre. Ele tinha que cantar daquele jeito, tinha que compor e gravar Grace, tinha que fazer sucesso e morrer logo em seguida. Coincidência ou destino, seu pai famoso morreu aos 28 anos, de overdose de heroína e morfina.

Grace é um disco de sonoridade que até hoje não encontrou par, apesar das tentativas de bandas como Radiohead. Impossível não se emocionar ao ouvir Jeff Buckley cantando versos como “It's never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder / all my riches for her smiles when I slept so soft against her / all my blood for the sweetness of her laughter/ she is the tear that hangs inside my soul forever”.  Ouvir isso é ouvir uma versão de William Blake, Goethe ou Lord Byron de flanela xadrez e guitarra na mão. A não ser, é claro, que você não se importe muito com música. Do ya? "

Nota: 10/10


Rafael:
" Meu primeiro contato com a música de Jeff Buckley foi num episódio daquela série The OC (e que no SBT ainda tinha um complemento rídiculo do nome: (sic) Um estranho no paraíso). A série envelheceu mal, mas a interpretação sentida e profunda de Jeff para “Hallelujah” me marcaram profundamente. Analisando hoje em dia, era o que salvava da cena inteira. Atualmente a canção é um lugar comum no cancioneiro americano e até no brasileiro, com adaptações em português para a celebração de cultos e missas. E é uma pena pensar que o legado de Jeff Buckley se resuma hoje em dia à “Hallelujah”, mesmo que sua interpretação da canção seja única e, provavelmente, a definitiva.

Jeff era filho de Tim Buckley, cantor folk que não fez sucesso algum à época mas é cultuado hoje em dia, e que, assim como o filho, morreu precocentemente (embora de razões diferentes). Não teve a oportunidade de conhecer o pai mas, consciente ou não, seguiu seus passos na música. Era um músico de estúdio e, fora das sessões de gravação, se apresentava em bares e casas de show em East Village, Manhattan. Mais uma vez, por força do destino (ou não), teve a carreira assessorada pelo mesmo agente de seu pai, que conseguiu que ele assinasse um contrato com a Columbia para gravar Grace, seu único álbum completo de estúdio.

Grace era um tiro no escuro em 1994: o grunge e o rock “alternativo” eram os gêneros musicais do momento e parecia não haver espaço para o que não se encaixasse nestes rótulos. Jeff Buckley surgiu como um contraponto para este panorama, com um som que é um amálgama de folk, acentos de jazz de cabaret que se alternavam com ataques furiosos de guitarra que bebiam do hard rock dos anos 70 e, porque não, do grunge dos 90.

Em Grace vemos um lirismo e uma veia poética que estavam perdidos na geração X. Não bastasse a habilidade para composição de belas canções como “Lover, You Should’ve Come Over”, “Mojo Pin” ou a faixa-título, Buckley era dotado de uma voz com alcance de quatro oitavas, o que permitia cantar em falsete perfeito a tradicional “Corpo Christi Carol” e ir ao extremo oposto no ataque feroz de “Eternal Life” ou a cacofonia de “So Real”.

Um crooner em tempos de grunge, Jeff tinha, também, um ótimo gosto musical. Retirou praticamente do limbo “Hallelujah” de Leonard Cohen com um arranjo original de voz e guitarra e resgatou um lado B de Nina Simone em “Lilac Wine”. E, quando estava prestes a conquistar o mundo, de forma estúpida, afunda e se afoga no rio Mississipi, cantando a plenos pulmões “Whole Lotta Love”. "

Nota: 9/10

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