quarta-feira, 8 de julho de 2015

Johnny Thunders and the Heartbreakers - L.A.M.F


Ano de lançamento: 1977


Felipe:
Nos anos 90, pra um menino do interior de Minas Gerais, conseguir um fita VHS da sua banda favorita era a glória. Arrumei uma cópia pirata do homevideo (que expressão antiga, meu deus) dos shows da turnê Use Your Illusion, do Guns n’ Roses, e assistia àquilo todo dia. Vários detalhes me chamavam a atenção, como a camisa do Pepe Le Pew que o Slash usava e o público japonês que passava o show inteiro comportadamente sentado em suas cadeiras. Entre outras coisas, reparei que os amplificadores de Duff McKagan traziam a sigla L.A.M.F. pichada em spray.

Tempos depois, descobri que se tratava de uma homenagem do baixista ao álbum mais cool do guitarrista mais cool de todos os tempos: Like a Motherfucker – L.AM.F., de Johnny Thunders and the Heartbreakers. Trata-se do único álbum de estúdio de Thunders com a banda, que contava com seu ex-parceiro de New York Dolls, o baterista Jerry Nolan.   

Lançado em 1977 - ano em que o punk rock explodiu no mundo - o disco traz uma mistura do melhor do protopunk de NY (na minha opinião, sem dúvida uma das melhores épocas/safras/fases da história do rock n’ roll) com um rock básico, que lembram um Chuck Berry aditivado pelas drogas de Keith Richards. Ótimas guitarras, baixo e bateria simples e eficientes, vocais bêbados, gravação tosca, produção pior. Um enorme diamante bruto, pronto pra ser derretido numa colher e injetado direto no sistema circulatório, dentro de um banheiro imundo.  

Os Heartbreakers não tiveram nenhum sucesso comercial, mas influenciaram inúmeras bandas, tanto da cena local como nomes posteriores. Junto dos Pistols e do Clash, participaram da infame e histórica Anarchy Tour, organizada por Malcom McLaren. Entraram pra história sintetizando uma geração de músicos norte-americanos extremamente talentosos que se perderam em função das drogas. Thunders e cia não eram nem um grupo de músicos que eventualmente se drogavam, mas um grupo de drogados que eventualmente fazia música.

L.A.M.F. é um registro cru e poderoso dessa música. A faixa de abertura é a porrada Born to Lose, faixa autobiográfica que é quase um hino à geração niilista da cena punk de NY, a chamada “blank generation”. O disco prossegue com Baby Talk e All by Myself, que continuam a temática de negação apenas por negar e não querer fazer parte da babaquice usual que toma conta de todo mundo em qualquer lugar que a gente vá. Conheço bem esse sentimento. 

I Wanna be Loved e It’s Not Enough abrem caminho para Chinese Rocks - canção de Dee Dee Ramone em parceria com o não menos gênio Richard Hell, que o grupo roubou descaradamente. A história da faixa é meio mal contada até hoje e Dee Dee nunca aceitaria o fato de ter sido passado pra trás. Mesmo com o veto de Johnny Ramone, que não queria fazer apologia à heroína, os Ramones gravariam a versão definitiva da música em 1979, no álbum End of The Century, produzido por Phil Spector. Os Ramones ainda gravariam a spectorianamente doce I Love You, faixa de amor adolescente que deixa L.A.M.F. mais suave.

Além de Duff McKagan, o disco é citado por gente como Henry Rollins e Izzy Stradlin como uma grande influência. O Guns inclusive chegou a gravar uma faixa de Thunders no álbum The Spaghetti Incident?, You can’t put your arms around a memory, que mesmo não fazendo parte de L.A.M.F. é talvez o maior clássico do guitarrista. No início da canção, podemos ouvir Duff dedicando “...this is for you, Johnny”.

Falido, destruído pelos anos de abuso de heroína, crack, cocaína e álcool; pela leucemia e – diz a lenda – pela AIDS, Johnny Thunders morreu em 1991. O guitarrista estilosão, vestido para matar, de cabelos grandes e espetados ao mesmo tempo, sempre fumando um cigarro no palco enquanto empunhava uma Les Paul feito um deus junkie do rock, foi encontrado com o corpo em posição fetal debaixo de uma mesa em seu quarto de hotel, aos 39 anos.

Morreu sozinho e sem grana. Seu único bem era uma guitarra que Dee Dee Ramone havia destruído há pouco tempo, numa das tantas tretas que os dois tiveram. Johnny já havia se vingado, quebrando uma caneca de cerveja na cabeça de Dee Dee. A amizade é uma coisa tão bonita, não é mesmo?

Debilitado pelos vícios e pela leucemia, sua aparência nos últimos anos já era a de um cadáver, anyway. Entre os fãs, é sempre dito que o que realmente o matou foi seu coração partido e a frustração de ser um guitarrista tão influente largado às moscas devido às suas próprias escolhas e estilo de vida. Baby, I was born to lose!

Nota: 10/10



Rafael:
Assim como 1967 foi o ano do verão do Amor, pode-se dizer que 1977 foi o ano da explosão do punk no mundo (pelo menos em grande parte dele). O que se observava timidamente e pontualmente em anos anteriores eclodiu em 1977 no surgimento de bandas e, tão velozes quanto as músicas, o lançamento de discos importantes para o movimento. O primeiro disco do Clash, dos Sex Pistols, do Damned, o primeiro EP do Buzzcocks, as bandas que tocavam no CBGB (Television, Talking Heads, Blondie), um movimento interessante na Austrália com Cold Chisel e The Saints. Até medalhões do rock se aventuraram pela estética punk (Bowie, Iggy Pop, Lou Reed), todos lançando obras marcantes naquele ano. Ao passo que 67 celebrava a beleza e inocência do amor e da vida, 77 celebrava a boemia, a vida desregrada, os junkies, travestis, os “underdogs” de um mundo decadente e que não vê esperança nas instituições e nem bondade e compaixão nas pessoas.

Imprimindo o espírito de seu tempo nos sulcos do vinil de “L.A.M.F” (sigla de Like a Motherfucker, utilizada como provocação pelas gangues em graffitis feitos pelos subúrbios e sarjetas das cidades), Johnny Thunders e seu Heartbreakers fizeram seu único álbum de estúdio sem alarde, promoção e distribuição parca, vendas ínfimas, mix equivocado (tudo para ser mais punk, talvez?!) mas que ganhou ao longo dos anos o status de obra seminal do gênero e, assim como Velvet Underground & Nico, virou disco de cabeceira de 9 entre 10 punks que fizeram uma banda (o décimo era de boutique).

Thunders e Jerry Nolan saíram (ou foram expulsos? Vai saber...) dos New York Dolls e Richard Hell os chamou para formar o que seria o primeiro supergrupo punk da história. Ironicamente, antes de gravar L.A.M.F, Hell deixa o grupo, mas eles levam “Chinese Rocks” no pacote.

"Born to Lose" é o refrão entoado aos gritos por Johnny e seus comparsas logo na primeira faixa, num misto de resignação e ataque de ódio, como uma boa briga de gangues, dando o tom do que se ouviria dali pra frente. As músicas são curtas, diretas, sem firulas e transpiram suas influências: rock dos anos 50, R’n’B, pop dos anos 60, só que num ritmo a 10000 rpm como um dragster desgovernado. Os poucos momentos de alívio são o country-rock sujo de “It’s Not Enough” e o power-pop de “One Track Mind”. Johnny fala de amor como uma cantada barata para conseguir sexo fácil (“I Wanna Be Loved”, “Pirate Love”, “I Love You”), a dificuldade de viver na metrópole (“Born To Lose”, “It´s Not Enough”), drogas, seu prazer e sua derrocada (“Chinese Rocks”).

Os Heartbreakers não duraram muito tempo após L.A.M.F. e Johnny Thunders levou uma carreira e vida erráticos, consumidos pelos excessos do estilo de vida de um rockstar junkie. Sucumbiu às drogas, mas talvez também à AIDS em 1991 e ouvir L.A.M.F e pensar nesta situação me faz perguntar: seria realmente “Born to Lose” ou “Born too Loose”?

Nota: 10/10

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