quarta-feira, 15 de julho de 2015

Neil Young - On The Beach


Ano de lançamento: 1974


Rafael:
O começo dos anos 70 ainda respiravam pela esperança de paz, amor, fraternidade e juventude do auge dos 60, mas dava sinais de desgaste diante de uma utopia que parecia muito bonita, ensolarada e contagiante, mas inócua no sentido prático. A ressaca moral estava no ar, ainda sem tomar uma forma concreta para a maioria das pessoas, mas alguns artistas, conscientemente (ou não), colocavam em suas obras marcas do cinismo, pessimismo e incertezas da nova década. John Lennon berra desesperadamente por sua mãe, por um alento, e vocifera que o sonho acabou. Em cinco anos Bowie acreditava que o mundo, ou tal como o idealizávamos, iria acabar e em certa medida ele estava certo. Sly Stone canta dopado e não consegue esconder que as coisas não irão bem na década que começa - quando ele sussurra em falsete "You Caught Me Smiling" a impressão que se tem é que é uma surpresa encontrá-lo sorrindo. Até os Kinks trocaram o bom humor e a alegria nostálgica dos tempos de Village Green Preservation Society por um humor cínico agridoce em seu Lola Vs. The Powerman.

O período de 1968 a 1972 não poderiam ser melhores para Neil. Com a aclamação pela critica e público de discos como Everybody Knows This is Nowhere, After the Goldrush, Deja Vú (com Stills, Nash e Crosby) e o megahit Harvest que consolidou seu status no estrelato, parecia que nada poderia pará-lo. Nada, exceto os abusos que só o estrelato e a vida incessante na estrada poderiam acarretar: doses cavalares de bebidas, cocaína e heroína foram minando Young e seus companheiros de estrada, o que culminou com a morte de Danny Whitten, líder do Crazy Horse, e Bruce Berry, roadie que faleceu na malfadada turnê que resultou no controverso disco ao vivo Times Fade Away. Ao lado deste disco, Young realizou mais duas obras neste período turbulento da carreira. Enquanto Times Fade Away é um registro duma vida em turnê decadente, bêbada e trôpega e distante do trabalho primoroso e bem retocado de Harvest, Tonight's The Night, por sua vez, é a voz de lamento de um homem perdido, no fundo do poço, e que canta suas desgraças recentes e sua vida pregressa da forma mais direta, aberta e crua que se pode ter notícia. On The Beach é a tentativa de cicatrizar as feridas abertas e dar a volta por cima.

Aparentemente é um disco mais terno e mais ensolarado que os anteriores, mas a instrumentação mais concisa e sóbria apenas esconde a quantidade de ressentimento, melancolia e farpas das letras. A cada audição do disco vem à tona o real peso de cada música. "Walk On" pode ser entendida como uma contra-resposta à crítica desferida pelo Lynyrd Skynyrd em "Sweet Home Alabama" para “Southern Man”, mas, além disto, é uma auto-afirmação de Neil Young que ele deve levantar a cabeça, não esquecer o que passou, mas seguir em frente. Em "See The Sky About The Rain", música composta antes das sessões de “On The Beach”, adquire um novo valor na interpretação sentida e emocionante de Young. No disco ainda podemos ouví-lo encarnar a persona de Charles Manson e atacar os artistas de Laurel Canyon em "Revolution Blues", fazer escárnio do sucesso e glória em "For The Turnstiles" e "Vampire Blues" e, no final, eclodir na sequência de músicas mais tristes que se pode ter notícia em sua discografia: "On The Beach", "Motion Pictures" e "Ambulance Blues". Os arranjos esparsos e econômicos destas músicas só realçam o sentimento de solidão e ruminação das letras. Quando ele canta "Eu preciso de uma multidão de pessoas, mas não consigo encará-las no dia-a-dia..." em “On The Beach”, há consonância direta com "Bem, aquele pessoal, eles acham que já têm de tudo/ Mas eu não vou comprar, vender, emprestar ou trocar nada que tenho para ser como um deles..." de "Motion Pictures" e também em trechos como "Então, todos vocês críticos sentados aí sozinhos / Vocês não são melhores do que eu pelo que já mostraram..." de "Ambulance Blues".

Neil Young, num breve período de seis anos, encontrou o céu e o inferno, e "On The Beach" é o seu purgatório, ou o confessionário em que toda a juventude setentista iria se identificar diante daqueles tempos estranhos que os atropelavam. Mais que isto, fez uma obra atemporal dos momentos em que temos que encarar de frente nossos demônios interiores, nossas marcas e cicatrizes mais profundas e saírmos fortalecidos, tal qual nas linhas finais de "Motion Pictures": "Bem, todas aquelas manchetes, elas me aborrecem agora / Estou preso dentro de mim mesmo profundamente / mas eu ficarei livre de alguma forma."

Nota: 10/10



Felipe:
Neil Young é um exemplo de artista que praticamente não errou na década de 1970. Indo um pouco na contramão da vibe da época – marcada pela autoindulgência, narcisismo e megalomania -, o artista se focou em dois tipos de som: baladas folk e distorção protogrunge. Nesta fase, Young produziu obras-primas como Everybody Knows This Is Nowhere, Harvest, Tonight’s the Night, Zuma e Rust Never Sleeps, álbuns focados em temas introspectivos, pessimistas e depressivos. Mas nenhum desses é tão negativo quanto On the Beach, de 1974, definido pela Rolling Stone na época como um dos álbuns mais desesperados da década. 

As faixas de On the Beach - divididas entre o folk e o blues – foram compostas e gravadas sob a névoa permanente de um preparado caseiro chamado “Honey Slides”, uma gosma de maconha refogada com mel, o que explica o clima lento das músicas. Walk On abre o disco com uma energia falsa, desmascarada por versos desiludidos como “Some get stoned, some get strange, but sooner or later it all gets real”. Era a bad da perda da inocência e do fim da utopia dos anos 60, onde paz, amor e drogas recreativas se transformaram ódio, guerra e overdoses já no início dos 70’s. 

Em seguida, vem See The Sky About To Rain, faixa gravada pelos Byrds. Revolution Blues é uma faixa raivosa inspirada em Charles Manson e sua “família” de lunáticos assassinos, que conta com a participação de David Crosby na guitarra e Levon Helm na bateria. For the Turnstiles é um blues meio country com banjo, dobro e vocais caipiras afetados. Vampire Blues é outra blueseira pessimista, em que Young se posiciona como um vampiro sugando o sangue do mundo e esperando lentamente pelos bons tempos que todos dizem estar chegando.

A faixa-título é o melhor blues do disco, uma depressão em lá menor de quase sete minutos com Graham Nash ao piano, que foi regravada por artistas como Radiohead. Nela, Young vê - melancolicamente e sem grande alegria - sua vida mudar e seu passado ruir metaforicamente na forma de fotos que caem da parede; declara sua dependência num monte de gente que ele mal consegue olhar nos olhos e reconhece a desimportância de seus problemas, mesmo sabendo que isso não faz com que eles não existam.

Motion Pictures, balada triste com violão, gaita e guitarra slide, da prosseguimento ao álbum, que fecha com o folk dylanesco Ambulance Blues, outra reminiscência triste do passado, que flerta com o remorso enquanto busca um motivo pra seguir em frente (“Back in the old folky days / the air was magic when we played...”), 

Sempre considerei Rust Never Sleeps meu álbum favorito de Neil Young, mas a maturidade dos 29 anos me mostrou que On the Beach é um disco muito especial. Para minha surpresa, descobri que Young o gravou exatamente aos 29 anos, talvez analisando em retrospecto sua vida e mensurando onde o caminho louco que seguiu iria levar, agora que saturno havia retornado.

Nota: 10/10







Nenhum comentário:

Postar um comentário