sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Frank Zappa - Hot Rats


Ano de lançamento: 1969


Rafael:
Não me lembro precisamente o ano, pode ser 98, 99, mas me lembro como se fosse ontem dois momentos bem importantes para mim: o primeiro, vendo MTV domingo quase de madrugada e o "Reverendo" Fábio Massari, ávido fã de Frank Zappa, anunciou um clipe. Era Peaches in Regalia e aquele som estranho e o clipe cheio de imagens de arquivo em alta velocidade em tom sépia me chamaram a atenção. Parecia som de outro mundo. E eu tinha apenas uma vaga ideia do que fosse Frank Zappa (Lembrem-se bem, era uma época em que a internet engatinhava, baixar músicas era um martírio interminável e vídeo em streaming era mais fácil de ocorrer num episódio de arquivo X).

O segundo momento veio depois e foi quando eu estava numa loja de discos em um shopping de Vitória. Quem iria imaginar que eu iria me deparar com vários discos do Frank Zappa nessa loja? As opções eram várias e, como o dinheiro era escasso e eu não tinha referência, procurei o disco que tinha aquela música que me chamou a atenção. "Qual o nome da música, mesmo? Tinha algo a ver com (sic) extravagância"... Foram intermináveis minutos olhando o fundo dos CD's procurando, até encontrar uma contra-capa rosa e a música que "tinha extravagância no nome". Olhei para os créditos e quase não levei: "Porra, 'só' seis músicas? Assim não vale a pena" (Estudante com grana mirrada e mente estreita é isto, gente).  Paguei 15 reais e, ao colocar o disco no CD-Player, me deparei com um álbum que mudou minha vida, minha forma de relacionar,  enxergar e ouvir música. Sem se preocupar com rótulos, definições, se descortinava à minha frente um paraíso de timbres de várias tonalidades (não consigo ter imagem diferente para a suntuosidade de Peaches in Regalia como uma orquestra multicolorida), timbres, instrumentos, ora em harmonia, ora digladiando por espaços que mal pareciam se conter nos alto-falantes do som de minha tia.

Hot Rats foi o primeiro disco de Zappa sem o Mothers of Invention. Mesmo após a gravação de discos que lhe deram a reputação de virtuose não só da guitarra, mas de produção em estúdio e colagens de musique concrète como Freak Out! e We're Only in It for The Money, as vendas foram poucas e Frank Zappa já não podia bancar tudo de seu bolso e demitiu o Mothers. Vendo a situação de penúria de figuras lendárias como Duke Ellington (reza a lenda que ele resolveu fazer Hot Rats após ver Duke praticamente esmolando um adiantamento de 10 dólares à gravadora), Zappa chamou vários músicos experientes e resolveu fazer uma homenagem ao Jazz que tanto amava. 

Mal sabia (ou sabia?) ele que estava ali construindo um dos marcos do gênero que passaria a ser conhecido anos depois como Fusion, que, numa definição simplista seria a junção do Jazz com outros gêneros. No caso de Hot Rats,  a fusão foi com o Rock. Foi um dos primeiros discos também a ser gravado em 16 canais, o que permitiu, ou instigou, Zappa a utilizar todo o potencial do estúdio com uma multitude de instrumentos. A base do som de Hot Rats estava em Ian Underwood, ex-Mothers, assumindo todos os instrumentos de sopro e teclados, Don “Sugarcane” Harris e Jean Luc Ponty nos violinos e Zappa com todos os arranjos, produção e, guitarra, baixo oitavado e alguma percussão.

O disco inicia com a virada de bateria “nervosa” de Peaches in Regalia que mostra de cara o que virá em todo disco: uma massa sonora de instrumentos de sopro, órgãos e teclados de vários tipos, num amálgama do improviso do jazz com o ataque do rock. Conta ainda com o solo de um baixo oitavado de Zappa, que, na verdade, é um baixo normal gravado na metade do tempo e reproduzido em tempo normal e ,conforme o músico, “tinha um som similar à guitarra, mas com mais ‘punch’ e energia”. Na sequência, o rock e blues dominam a cena em Willie The Pimp com um riff dobrado de guitarra e violino e a voz rascante de um lobo demente de Captain Beefheart. O álbum conta ainda com o misto de homenagem e embate de big band e rock de Son of Mr. Green Genes; uma referência às trilhas de Vince Guaraldi para os desenhos do Snoopy em Little Umbrellas; o encontro de free jazz e rock nos solos extremos de sax, violino e guitarra de The Gumbo Variations; e as dissonâncias e ritmos quebrados na estranha It Must Be a Camel.

O gênero Fusion passou por muitas mudanças, muitos discos clássicos no gênero e ao longo do tempo chegou a extremos de serem divertidos apenas para quem tocava as músicas. No entanto, poucos conseguiram fazer a fusão de jazz e rock com maestria, diversão e aliar complexidade e acessibilidade pop como em Hot Rats.

Nota: 10/10



Felipe:
Antes de escrever sobre Hot Rats, li a resenha que Lester Bangs redigiu para a Rolling Stone em 1970. O que eu poderia escrever depois disso? Você pode estar pensando, coberto de razão: “Não li a crítica do Lester Bangs pra Rolling Stone, vou ler a do Felipe pro Blog the Casbah?”.

Apesar disso, vou tentar passar minhas impressões sobre o álbum de Frank Zappa, talvez um dos maiores malucos da história do rock n’ roll. Em Rats, Zappa une - pela primeira vez? Não tenho certeza – jazz, hard rock e rock psicodélico, transformando tudo isso em um embrião do Jazz Fusion.

O álbum é composto por seis faixas, sendo cinco instrumentais. Quando soube que o álbum da semana seria instrumental já pensei “que saco”, mas me surpreendi pela ausência do virtuosismo exibicionista que eu esperava de um disco instrumental, no estilo “senta aí e escuta o que eu consigo fazer”. Pelo contrário, todas as faixas apresentam um clima “down and dirty” de rock malvado, aliado à sofisticação e elegância de um jazz chapado de maconha e ácido.

Eu poderia entrar em detalhes aqui sobre a qualidade instrumental e as influências que fomentaram a criatividade louca de Zappa, mas tenho certeza que o Rafael vai se encarregar disso no texto dele. Portanto, prefiro dissecar Willie The Pimp, a segunda e melhor faixa.

Trata-se da única canção com vocais (Captain Beefheart cantando) e a mais rocker do álbum. Quase dez minutos de um riff raivoso, muita distorção e um solo completamente viajante de Zappa para contar a história do cafetão que vendia putas no saguão do hotel.

Willie the Pimp parece ter saído diretamente de alguma cena da animação de Fritz the Cat. O som combina perfeitamente com o clima “fuck the police” de orgias entre gatos, patos e cães antropomórficos na sala de algum apartamento imundo de Nova York no final dos anos 60, enquanto coelhos e pássaros também humanizados consomem toda a sorte de drogas no banheiro. Seria Frank Zappa o Robert Crumb do rock n’ roll?

Senti falta de mais canções com vocal. Mas o álbum não chega a ser cansativo. Preste atenção no baixo violento que conduz as músicas, solando no estilo de Jack Bruce. É uma viagem à parte.

Admito que antes eu nunca havia dado mais que dez minutos da minha atenção para Frank Zappa. Agora chego a quase concordar quando alguns malucos dizem “Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, Zappa”.

Nota: 9/10


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