domingo, 16 de agosto de 2015

The Cure - Wish


Ano de lançamento: 1992

Felipe:
Quantas músicas são necessárias para fazer o seu dia ir do céu ao inferno? No caso de Wish, álbum do The Cure de 1992 que deprime qualquer um, a resposta é: doze. Mais sombrio do que tudo que a banda já havia feito até então – exceto talvez pelo aclamado álbum anterior, Disintegration – Wish é mais maduro do que o som que deixou o Cure famoso mundialmente e representa o último grande disco do grupo, marcando a fase do auge da banda, com canções coesas e homogeneamente depressivas. 

A melhor formação do Cure toca em Wish, contando com Simon Gallup e Port Thompson, além do líder e membro fixo Robert “Bob” Smith. Em Wish não há pérolas radiofônicas como Boys Don’t Cry e In Between Days. A faixa mais parecida com isso é Friday I’m in Love, e mesmo assim, basta uma ouvida atenta para perceber que ela é uma música “pra dentro”, com acordes menores, cuja melodia feliz disfarça um mal-estar de seis dias por semana, numa vida em que as segundas são tristes, as terças são cinzas e as quartas também. Nas quintas então, é melhor nem começar. 

O que ouvimos no álbum são canções de clima pesado, como se reproduzidas em estúdio – e posteriormente ao vivo – exatamente da forma como Smith as concebeu em sua mente torturada e desesperada. Todas as faixas tratam de fins de relacionamento, tema que as pessoas tendem a tratar como piegas, até viverem algo parecido. Desde os títulos das músicas (“Separação”, “Confiança”, “Corte”, “Desejar Coisas Impossíveis”, “Fim”) até a poesia das letras, cada faixa revela um Robert Smith fodido de depressão pós-rompimento, seja de uma relação, seja dos planos que fez pra vida. 

O álbum abre com Open e sua letra gigantesca, em que Smith enumera suas dúvidas existenciais, seu cansaço e sua vontade de beber até morrer. Em seguida vem High, com uma letra que parece a lembrança de um tempo bom, onde tudo era tranquilo e a possibilidade da pessoa amada ir embora era apenas um medo distante. A faixa ainda conta com a estranha participação de Eric Clapton.  

Apart dá início à depressão séria do disco, resumida na última das cinco estrofes amargas: “How did we get this far apart? / We used to be so close together / I thought this love would last forever”. A faixa seguinte, From the Edge of the Deep Green Sea, também não ajuda: “How much more can we use it up? Drink it dry? Take this drug? Looking for something forever gone, but something we will always want? ‘Why are you letting me go?’ She says / I whish i could just stop / Too many tears, too many times, too many years i've cried for you / it's always the same, wake up in the rain, head in pain, hung in shame, a different name, same old game, love in vain”.  

E ainda piora. Ou melhora, já que as melhores faixas são as últimas. Como a já citada Friday I'm in Love, cuja alegria remete àquela sensação de euforia depois do choro e funciona como uma pausa para respirar antes das piores bads do álbum.

Trust traz uma frase triste de piano, sobre a qual a canção inteira é construída, com uma letra curta, mas que diz tudo: “There is no-one left in the world that I can hold onto / There is really no-one left at all, there is only you / And if you leave me now, you leave all that we were undone / There is really no-one left, you are the only one / And still the hardest part for you to put your trust in me / I love you more than I can say, why won't you just believe?”.  

A Letter to Elise corre o risco de ser a melhor música de Wish. Outro riff perfeito, outra canção triste, mais desilusão, dor e sofrimento. Em sua carta (imaginária?) de despedida, Robert Smith explica que não consegue mais continuar fingindo; que é melhor esquecer qualquer forma de sorrir; que os olhos dela não pegam fogo da forma que faziam antigamente; que entre os dois existem mundos separados; que ele não pode segurar as lágrimas do jeito que ela faz; que ele nunca quis que isso acontecesse; que ele pensou que desta vez iria cumprir suas promessas; que ele pensou que ela fosse a garota com a qual ele sempre sonhou, mas que ele deixou o sonho ir embora e agora não há nada mais que ele possa fazer. Pesado.  

E piora em To Wish Impossible Things: “Foi a doçura da sua pele e de tudo que nós passamos que me encheu de esperança em desejar coisas impossíveis / Mas agora o sol brilha frio e todo o céu é cinza /As estrelas estão manchadas pelas nuvens e pelas lágrimas / E tudo que eu desejo está longe demais”. End encerra o álbum sem grande alegria nem autoestima: “Eu acho que cheguei ao ponto onde dar e ganhar são ambos fins mortos para mim/ Onde o cansaço disfarçado e esquecido é tudo o que eu tenho / Onde cada palavra que você escreve, todo oceano sangrento escuro e todas as almas de noites negras são apenas a mesma velha canção / Por favor, pare de me amar, eu não sou nada dessas coisas”.

É de se espantar que Smith não tenha seguido o mesmo caminho que Ian Curtis ou Kurt Cobain, uma vez que Wish se equipara a qualquer coisa que os dois tenham produzido antes de suicidar. No âmbito das principais bandas de pós-punk, Wish é melhor do que muita coisa dos Smiths e compete pau a pau com o melhor material do Joy Division, tanto na ambientação e no clima sombrio quanto nas maravilhosas letras torturadas. 

O álbum seguinte, Wild Mood Swings, representaria o início do declínio comercial do Cure. Só saiu em 1996, um hiato considerável numa época em que o público inglês já havia mudado de geração e estava mergulhado de cabeça no Britpop, movimento que, em suas raízes, negava os ideais depressivos do pós-punk inglês (veja os títulos das músicas do Oasis, por exemplo: Live Forever, Rock n’ Roll Star, Don’t Look Back in Anger, Stop Crying Your Heart Out, It’s Good to Be Free, It’s Getting Better Man, e por aí vai).

Desta forma, com uma produção errática de discos bem mais ou menos após Wish, o envelhecimento de seu público e o natural desgaste do gênero, ofuscado pelo Britpop e pelo Grunge, o Cure foi negligenciado pela imprensa na segunda metade da década de 1990. Não ajudou também o fato de eles gravarem coisas constrangedoras como Just Say Yes. A vibe do Cure é melhor e mais verdadeira quando eles apenas dizem ‘não’.   

Nota: 9/10



Rafael:
Sentimentos como depressão, desespero, solidão sempre fizeram parte da imagem e música do Cure, muitas vezes de forma tão exagerada que parecia mais pose calculada e uma forma de marketing para conquistar os jovens “revoltados” do que sentimentos genuínos. A verdade é que Robert Smith, líder da banda, depressivo crônico, usa sua arte como válvula de escape para exorcisar seus demônios interiores.

A depressão não é uma doença que se consiga explicar ou resolver de forma fácil. Mesmo no auge do sucesso e reconhecimento da crítica, Robert Smith não estava satisfeito ou até mesmo feliz. Muito pelo contrário: bastaram surgir poucas críticas negativas quanto à diversidade e a acessibilidade pop exibida pela banda em álbuns como “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” e “Head on The Door” para abaterem o líder da banda.

“Wish”, 12º álbum do Cure, por incrível que pareça, é o reflexo da recuperação de Robert Smith do período nebuloso que ele passou na época da gravação do disco anterior, Disintegration. Isso, no entanto, não quer dizer que somos inundados de "Shiny, Happy, People" ou "Sugar, Sugar": procurando tratamento à base de isolamento (!) e doses generosas de LSD (?) Robert Smith criou uma obra pesada e cheia de angústia, quase uma ópera que narra sua luta constante para tentar ser feliz, para se livrar da doença. A sonoridade do álbum segue os tons pesados, densos e complexos que já se ouvira em Disintegration, com diversas camadas de guitarras, abusos de drones e justaposições de teclados.

Apesar de a todo momento Smith fazer referência a uma pessoa, relacionamentos e à desilusão do amor, há diversas pistas da sua luta interna com a depressão: na longa, abrasiva “Open”, ele narra a ida para diversas farras na noite, mas sempre reluta que deveria ter ficado sozinho na cama; na bela balada “Trust”, provavelmente endereçada a sua esposa, ele afirma não ter mais ninguém além dela no mundo e o que pode ser lido como uma carta de amor pode ser interpretado como um grito de socorro, um clamor para não viver sozinho. Mesmo em momentos mais festivos, como o chamado insistente, como se tentasse se convencer, de “let´s get happy!” em “Doing the Unstuck” e o jangle-pop de “Friday, I´m in Love”, em que Robert afirma que todos os dias ele está depressivo, exceto nas sextas-feiras, há o clima de “parcialmente nublado, com ocasionais momentos de sol”.

O álbum obteve críticas divididas à época, exatamente pela comparação direta com o álbum anterior, o clássico Disintegration. No entanto obteve grande sucesso de público, puxado obviamente pelo apelo pop de “Friday, I´m in Love”, mas que também encontrou um novo público, em meio aos slackers da geração X e à nova geração de shoegazers da Inglaterra. Passados tantos anos, Wish só ganhou força como uma obra subestimada que, ao mesmo tempo que  apela para os piores cantos de sua alma e os piores momentos que você pode ter na vida, vislumbra em meio à escuridão opressiva feixes de luz de esperança de dias melhores e felizes.

Nota: 8/10


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